Bel Coelho é do tipo que nunca teve dúvida do que queria ser quando crescesse. Com apenas 16 anos, ao ler uma entrevista sobre gastronomia, entendeu que o seu gosto por ficar às voltas na cozinha com as mulheres da casa tinha um nome e era, inclusive, uma profissão: a de chef de cozinha.

Para atender à vontade do pai, prestou vestibular para um curso mais tradicional, psicologia, mas, com menos de dois meses de curso, resolveu abandonar e ir em busca da sua verdadeira paixão. “Eu gosto de cozinhar tudo, honestamente”, conta, acrescentando que, apesar do glamour que cerca a área, tocar uma cozinha não é uma vida fácil. “Às vezes eu canso. É uma profissão dura”, ressalta.

Bel começou a carreira como estagiária de Laurent Suadeau e no Fasano. Fora do País, cursou o Culinary Institute of America (CIA) em Nova York. Também teve a oportunidade de se inspirar na inquietude e brasilidade de Alex Atala, quando trabalhou no seu estrelado D.O.M. De lá para cá, comandou os menus de restaurantes reconhecidos como Madelleine, Buddah Bar e Sabuji, onde  recebeu o prêmio de Chef Revelação, oferecido pelo júri de Veja São Paulo .

A chef também levou sua gastronomia para fora das fronteiras brasileiras, em países como Inglaterra, Portugal, França e Espanha – onde trabalhou no El Celler Can Roca, com três estrelas no Guia Michelin. Desde 2009, é dona da sua própria cozinha, no também premiado Dui. É lá também que ela pode ousar no jantar oferecido pelo Clandestino. O projeto, idealizado por ela, acontece apenas às quintas-feiras, com um menu degustação exclusivo para apenas 15 convidados, mediante reserva. “Menu degustação é o que os chefs mais gostam de fazer. Você pode desenvolver e exteriorizar toda a criatividade”.

Confira abaixo os principais trechos do bate-papo de Bel Coelho com o Portal Terra :

–  Você se tornou chef com apenas 23 anos, tendo abandonado uma faculdade de psicologia. Conte um pouco de como foi essa decisão. 
Bel Coelho: Na realidade eu sempre quis ser cozinheira antes de ser psicóloga, então, não foi uma escolha tão difícil. Eu só fui prestar outra faculdade porque o meu pai queria que eu prestasse uma faculdade mais tradicional, mas eu já sabia que que queria isso. Não cursei nem dois meses e tranquei. Eu faria, não é uma coisa que descarto, acho até que eu teria me dado bem, mas eu gosto mais de cozinha, eu já sabia disso.

–  Em que momento decidiu se tornar uma chef e o que te fez descobrir isso?
B.C: 
Com 16 anos eu já sabia. Eu li uma reportagem de um cara que fez uma faculdade de gastronomia e aquilo me deu um ‘click’. Eu já cozinhava em casa, com a cozinheira, com minha tia-avó, minha avó, e aí eu falei ‘nossa, isso pode ser uma profissão’.

–  Em algum momento você teve dúvida sobre seguir com a gastronomia, especialmente nos momentos mais difíceis? 
B.C: Não, dúvida em relação a isso não. Às vezes eu canso, é cansativo no sentido de que é uma profissão dura. Às vezes eu penso em formatos diferentes, mas nunca deixar de cozinhar.

–  Como é a sua rotina? 
B.C: Depende do dia. Depende se eu não tenho um evento fora, fora de São Paulo às vezes. Do contrário, estou no Dui. Faço compras, participo da administração, de tudo. Na verdade, quando você é dono do restaurante você participa de muito mais processos do que só na cozinha.

– Como você busca o equilíbrio para lidar com uma rotina tão intensa? 
B.C: Faço atividade física e dança afro.

–  Qual ou quais foram os maiores desafios profissionais que você já viveu? 
B.C: Acho que abrir um restaurante meu foi um grande desafio. E quando eu morei fora foi um grande desafio também, fazer faculdade lá fora.

–  Quantos anos ficou fora do Brasil? 
B.C: Fiquei dois anos para fazer faculdade, e depois mais dois para trabalhar. Sempre com um motivo específico. Em Nova York tinha a faculdade que eu queria fazer, na Espanha estava fervendo a cena gastronômica em 2006. Fui pra Portugal, fui pra França também.

–  Depois de conhecer a culinária de cozinhas tão distintas, como você define o tipo de gastronomia que oferece no Dui? 
B.C: A minha é uma cozinha criativa brasileira, se é assim que posso chamar.

–  Tem alguma técnica ou algum prato que você acha de difícil execução? 
B.C: Acho que alguns caramelos, como o caramelo soprado, é difícil. Algumas coisas de confeitaria são mais difíceis, na minha opinião.

–  E o que você mais gosta de cozinhar? 
B.C: Eu gosto de cozinhar tudo, honestamente, mas gosto mais de frutos do mar em geral.

–  Já teve que cozinhar para alguém muito exigente, seja uma personalidade ou um crítico? Como você lidou com a situação? 
B.C: Várias vezes. Acho que a escolha do menu é o mais difícil e também o pré, a ansiedade mesmo. Escolher qual o menu que vai impressionar mais.

–  Como foi a experiência de trabalhar com o Alex Atala? O que você acha que trouxe de melhor dessa experiência? 
B.C: Acho que aprendi bastante com o lado criativo, de conviver com um cara tão apaixonado pelo Brasil, todas essas características me influenciaram bastante.

–  Viveu alguma história engraçada ou inesquecível no período que trabalhou lá? 
B.C: Acho que tiveram várias. Mas teve uma engraçada que ele atirou uma panela na direção de um cozinheiro e veio na minha direção, e aí quase bateu em mim (conta, rindo). Eu abaixei e bateu na parede, de aço-inox, está lá a marquinha até hoje. Ficou minha marca, aliás, a dele, mas ele lembra de mim.

– Quais são seus restaurantes preferidos no Brasil? 
B.C: O do Alex (Atala), o Maní da Helena (Rizzo), o Mocotó. Japonês eu gosto muito do Tanuki que é na Vila Madalena. No Rio tem alguns, gosto muito do Lamas, são mais regionais, e todos os do Claude Troisgros eu gosto bastante.

– Quais são seus pratos preferidos? 
B.C: São vários. Os brasileiros são moqueca, picadinho, tudo que envolve arroz, farofa, uma verdura e uma proteína eu gosto. Mas eu amo comida japonesa, especialmente.

– Sobre o projeto Clandestino, a ideia foi 100% sua? O que você acha que este projeto vem trazendo para você em termos de desafio e prazer? 
B.C: É uma ideia minha. É tudo o que eu queria fazer, menu degustação é o que os chefs mais gostam de fazer. Porque tem um trabalho, uma cadência. Você pode desenvolver e exteriorizar toda a criatividade, é o mais interessante e mais bacana que um chef pode desenvolver.

– A gastronomia vem se tornando cada vez mais popular e valorizada no Brasil, com a chegada de movimentos democráticos como o “Restaurante Week”, “Comida de boteco” e “Chefs na Rua”. Qual a sua opinião a respeito desse movimento? 
B.C: Acho interessante, importante democratizar e deixar mais acessível para todo mundo.

– Muita gente não entende o por quê de alguns pratos serem tão caros nos restaurantes mais elitizados. Você acha que a evolução seria as pessoas passarem a valorizar mais ou estes preços baixarem, se é que isso é possível? 
B.C: Depende do restaurante. Não tem necessariamente a ver com o custo do prato, mas sim, do restaurante inteiro. O serviço, o ambiente, a criação. Às vezes não é o custo do prato, da comida.

– Na sua opinião, o que torna um chef um profissional cinco estrelas? 
B.C: Persistência, paixão, amor, talento, organização, higiene e criatividade.

Fonte: Culinária Terra