Ele é um dos chefs mais renomados do mundo. Foi eleito em 2013 um dos 100 mais influentes do mundo pela revista TIME. Seu restaurante D.O.M. é considerado o 9º melhor do planeta, segundo o prêmio anual “World’s 50 Best Restaurants”. Além disso, seu outro estabelecimento, Dalva e Dito, foi citado no Guia Michelin, roteiro que teve sua primeira edição no país este ano.

Mas o sucesso de Alex Atala vai muito além de títulos e rankings. Ele se apresenta, sobretudo, como um chef determinado em mostrar aos brasileiros o que eles mesmos muitas vezes não conseguem enxergar: a beleza da comida típica nacional.

Em seus quase 30 anos de dedicação à gastronomia, Atala iniciou sua carreira em renomados restaurantes da Europa, como o francês Pierre Bruneau e o Hotel de la Cote D’Or. Apesar de toda influência europeia, sua grande paixão foi a Amazônia, inspiração que deixou a marca registrada de Atala. Ele ganhou fama em todo o mundo por valorizar o País através de suas receitas e ingredientes genuínos brasileiros.

Para Atala, no entanto, o maior desafio não foi agradar os paladares estrangeiros, mas os dos próprios brasileiros. “O Brasil continua tratando mal a sua cozinha, os seus produtos e, principalmente, seus jovens chefs”, disse o chef durante o What Design Can Do, conferência internacional criada para conectar os designers aos principais problemas sociais desta era. O evento ocorreu em São Paulo nesta semana — primeira vez que acontece fora da Holanda.

Em sua palestra, Atala falou sobre o desafio da gastronomia hoje. Segundo ele, alimentar sete bilhões de pessoas no planeta Terra é o maior desafio para os próximos anos. “Reentender a relação do homem com o alimento é fundamental. E nessa hora a gente tem que mexer numa chave cultural.”

Neste cenário, continuou Atala, o design é fundamental.

O renomado chef falou sobre o momento da gastronomia no Brasil, do projeto ATÁ e como os “raios gourmetizadores” podem mudar a concepção da comida brasileira.

Em sua opinião, qual é a situação da gastronomia brasileira atualmente e como ela está comparada com as de outros países?
Alex Atala: Nestes quase 30 anos de profissão, eu brinco, eu falo que sempre fui um patinho feio, porque quando eu comecei a trabalhar em grandes restaurantes da Europa, ser brasileiro era… nada. Era quase vergonhoso e imaginavam o que a gente comia. Inclusive até eu mesmo olhava a comida, nossa herança gastronômica, nossa chave de cultura, como menor.

Um dia entendi que eu nunca faria comida italiana tão bem como um italiano ou francesa como um francês. Por quê? Porque estes eram sabores que eu desconhecia. Eles eram novos pra mim. Não estou falando de uma receita, mas de um universo que se chama comida.

No dia que eu entendi isso eu soube que ninguém poderia fazer comida brasileira melhor do que eu. Comecei a acreditar primeiro nesta intuição. E o divertido foi que hoje o mundo olha o Brasil, a cozinha latina-americana, como fonte de inspiração. O que era menor, passou a ser maior.

Quase dez anos atrás, dei uma entrevista para um jornal falando que o Peru ia passar o Brasil nesta fase de reconhecimento. E passou. O erro não está no Peru. Mas do Brasil, de como o Brasil continua tratando mal a sua cozinha, os seus produtos e, principalmente, seus jovens chefs.

Nestes anos, eu viajei o mundo inteiro e 99% das vezes escondendo ingredientes brasileiros na minha mala e atravessando as alfândegas. Eu brinco que eu só trafiquei menos farinha do que o Pablo Escobar [risos]. As farinhas eram diferentes, mas eu levei grandes quantidades de farinha de mandioca para outros países. Esses garotos que cozinham hoje têm consciência do que cozinham, de onde ela[comida] vem, onde é produzida. Quando vão pra fora eles se tornam embaixadores de uma marca que se chama Brasil. O mundo tem interesse em conhecer o Brasil, que segue não apoiando nem o chef, nem a cadeia, nem a cultura.

Então pode-se dizer que o mundo quer ver mais o Brasil do que o próprio brasileiro?
Não tenho a menor dúvida, e a confirmação disto é o Peru. O Peru fez um ótimo trabalho de divulgar suas comidas, a cozinha peruana é um fato no mundo. E o Brasil poderia ter feito isso anos atrás, sem esquecer que não só os chefs que são beneficiados com isso: são os agricultores, os produtores… Então existe um conjunto chamado Brasil que pode e deve ser beneficiado.

Mas você vê uma mudança neste comportamento? A ‘gourmetização’ de pratos típicos brasileiros pode estar mudando esta visão do brasileiro com a própria comida?
Nós estamos passando por uma fase. É claro que esta fase existem deformações. Mas outras profissões que passaram por estas deformações melhoraram.

Vamos pensar o seguinte: os cozinheiros dessa década são os publicitários dos anos 80 e as modelos dos anos 90, profissões que não existiam e de repente vira ‘mainstream’. Todos os exageros aconteceram, em todas essas profissões, que hoje estão melhores. Regulamentadas, agindo civicamente em favor da sociedade. O que nós passamos hoje não é definitivo, é temporário.

Até quando o Brasil vai ver a parte ruim das coisas? Por que as pessoas pagam cinco mil dólares por um quilo de trufa e querem continuar pagando barato pela comida brasileira? Por que as pessoas vão comprar praticamente o mesmo vinho, mas no Brasil ele é ruim e na Argentina ele é bom?

Então existe um problema cultural. Existe uma interpretação de que o Brasil ainda é produtor de commodities. O Brasil é campeão na emissão de químicos na agricultura. Este sistema vigente agrícola de comércio de commodities não está matando só os animais — está esterilizando ecossistemas e cultura.

À turma da ‘gourmetização’, aos que produzem os raios [gourmetizadores], sinto muito, mas eu não sinto nada. Pois, agora que começaram a dar valor à comida brasileira, não querem pagar caro.

Em sua palestra você falou muito sobre a valorização do alimento, de repensar sobre o que estamos comendo. O que o seu projeto ATÁ, que tem a proposta de aproximar o comer do alimento desde sua produção, está fazendo para que os brasileiros repensem sobre o que põem no prato?
A gente tem pelo menos sete projetos acontecendo pelo Brasil onde a gente vai encontrar ingredientes e reforçar a cadeia de produção, distribuição e comercialização deste ingrediente.

Um dos projetos valoriza a produção da pimenta por índios. Era uma produção local, produziam apenas para consumo. Eu estou falando de uma área que chama São Miguel das Cachoeiras, que fica na ‘cabeça do cachorro’, como a gente fala no mapa da Amazônia. Hoje, são Miguel das Cachoeiras tem o maior índice de suicídio juvenil do Brasil. Por que isso acontece? Baixa autoestima.

O índio, na condição de índio já é enfraquecido. O máximo que ele pode fazer é viajar mil quilômetros até Manaus e ser uma mão de obra não especializada e trabalhar como assistente de qualquer coisa. Ou então atravessar a fronteira e trabalhar para as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], que estão todo tempo tentando corromper estes garotos.

A partir deste projeto, além de você dar pertencimento, ou seja, alguns índios já estão mais orgulhosos – pois os ingredientes deles estão ganhando o mundo – os velhos indígenas e os pais de famílias indígenas estão deixando de fazer mineração ilegal de ouro para produzir pimenta. Primeiro, a mineração naquela região é um desagregador da família. O cara viaja 15 dias e chega com um punhadinho de ouro.

A partir do momento que a família começa a produzir pimenta, além do convívio familiar ter melhorado, está gerando renda e orgulho. Dessa maneira, a gente começou a produzir cogumelos brasileiros, que até então ninguém acreditava que era possível fazer cogumelos brasileiros e todo mundo compra de fora. Até o começo do ano que vem, já vai estar aqui em São Paulo cogumelos que vem dos ianomâmis.

Todos estes projetos não têm grande valor sozinho. Até porque teremos milhões de projetos no Brasil. Mas todos esses passam por um problema – que é escoar essa produção. Às vezes, você faz um monte de projeto legal, mas não consegue vender isso.

O ATÁ está revitalizando o Mercado de Pinheiros, pegando sete boxes e transformamos em cinco, porque os boxes eram pequenos demais. Vamos vender os ingredientes do Brasil inteiro para acabar com este gargalo que existe nestes projetos de apoio ao alimento. Pessoas que nasceram no cerrado brasileiro, que nunca mais tinham comido uma mangaba, vão encontrar mangaba – agora o mais legal ainda:num preço de mercado. Não estou falando de preço ‘gourmetizado’. Criatividade não é só fazer o que algo novo, é dar inovação. Inovação é conectar as extremidades.

Vou te dar um exemplo maluco: o mundo imagina que tapioca é um ingrediente asiático. As pessoas não sabem que a tapioca é amido de mandioca, que é uma raiz brasileira. E outro ícone da cozinha brasileira é o pão de queijo. Do que é feito? Mantega, de banha, queijo e polvilho. E o que é polvilho? Amido de mandioca. Polvilho e tapioca é exatamente a mesma coisa. Mas como nasceram em regiões diferentes, têm nomenclaturas diferentes, muitos desconhecem. Mas o Brasil é capaz de discutir cervejas produzidas no mundo inteiro e desconhecem o próprio umbigo. Tem este lado da história.

Então você tenta aproximar o Brasil para os brasileiros?
Eu tento fazer as pessoas entenderem, conhecerem e valorizarem a comida brasileira.

A desconexão de nós com o ingrediente que nós comemos é gigantesca. Poucas pessoas reconhecem um pé de laranja sem uma laranja – eu não estou falando de cupuaçu, eu estou falando de fruta que todo mundo comeu e tomou suquinho a vida inteira.

Então existe uma desconexão grande e a nossa ideia com o projeto é aproximar o saber do comer, do comer do cozinhar, do cozinhar do produzir e do produzir da natureza.

Fonte: Brasil Post
Foto: Filipe Araújo/Estadão