Em uma pequena rua escondida dos Jardins, em São Paulo, a chef e empresária Ana Luiza Trajano instalou seu restaurante, o Brasil a Gosto. Circulando entre as mesas, Ana conhece os clientes pelo nome e fala do alívio que a troca de jogos americanos lhe trouxe. “O outro estava envergando na ponta. Aquilo estava me incomodando tanto”, diz.

Filha de Luiza Helena Trajano e herdeira do Magazine Luiza, a chef descobriu na faculdade que sua carreira seria distante dos negócios da família. Ana comanda as receitas do restaurante, viaja em expedições pelo Brasil três vezes por ano e se empenha na divulgação da culinária brasileira como faceta cultural do país.

Do jogo americano ao café coado à moda do interior, Ana Luiza cuida dos detalhes da casa, eleita várias vezes como uma das melhores do país, e também dos negócios. Na entrevista a seguir, fala da sua paixão pela comida e dos desafios de ser empreendedora.

– Como você descobriu que queria cozinhar e não seguir nos negócios da família?
Ana Luiza Trajano – 
Eu sempre gostei muito de cozinhar. Eu fui entender que a cozinha podia ser minha profissão quando vim para São Paulo. Quando eu fiz a opção pelo curso de Administração, que hoje me ajuda bastante, não tinha escola de gastronomia. Cozinha de uma forma profissional é uma coisa muito recente. Quando eu estava no meio da faculdade, eu já sabia que queria cozinhar e fui fazer a formação na Itália. Quando vi todo aquele amor que o italiano guarda em relação à pátria, com cada cidadezinha guardando seu jeito de fazer azeite ou vinho, isso me deu o insight de que eu queria contribuir para que o nosso Brasil fosse valorizado da forma que deveria.

– Como a comida brasileira era vista até então? 

Ana Luiza Trajano – Naquela época, se comia o leitão à pururuca em casa e quando se recebia uma pessoa ia fazer um risoto ou uma massa, como se a cozinha brasileira não fosse das altas festanças, mas sim uma coisa resguardada aos bastidores. E todo mundo sempre gostou do leitão, do picadinho e da dobradinha, mas não era uma coisa que se assumia que gostava, era meio escondido.

– O que você fez para realmente começar o negócio e mudar essa visão?
Ana Luiza Trajano – 
Eu voltei da Itália com esse sonho de contribuir para que a gastronomia brasileira fosse valorizada e é o eu venho fazendo há 15 anos. Para isso, existia muita pouca bibliografia e eu parti em expedição pelo Brasil pra entender o que seria essa gastronomia. Para eu conseguir falar sobre alguma coisa, eu preciso ter um conhecimento profundo. No primeiro momento, fiz a tradução do que seria essa cozinha e de que forma trazê-la para o mercado moderno, ir desmistificando alguns preceitos do que é comida brasileira. As pessoas sabem o que é foie gras, mas não sabiam o que é frango caipira. É louco um brasileiro saber as receitas básicas francesas, mas não saber as brasileiras.

– Como você avalia este setor hoje?
Ana Luiza Trajano –
 O ramo mudou muito, mas eu que venho de uma família de negócios, vejo que tem muito a evoluir. Hoje, os chefs são gestores de coisa que é perecível e de uma equipe grande, Os donos de restaurante estão se vendo como homens de negócio. Eu acho que quando uma questão é encarada como negócio a tendência é que o serviço entregue seja melhor. Isso não quer dizer que vai excluir a paixão. Os negócios podem ser apaixonados. Mas tem que ter estratégia de marketing, tem que ter planejamento. Não basta ser só talentoso, o ramo começa a ver que precisa ser profissional e ético.

– Como você se define como empreendedora?
Ana Luiza Trajano –
 O meu empreendedorismo está ligado a um propósito de vida, porque eu nunca me vi fazendo uma coisa desprovida de propósito, ou seja, de crença. Para o empreendedor, tem que ter algo que movimente mais do que o dinheiro. Eu tenho paixão pelo propósito de divulgar a cultura brasileira através da gastronomia.

– Como é sua rotina hoje? Como você se divide entre a cozinha e as contas?
Ana Luiza Trajano –
 Eu faço toda parte do desenvolvimento dos pratos e no dia-a-dia estou no almoço e no jantar na parte do cliente. Tenho uma equipe que está comigo há oito anos, tenho uma chef de cozinha que é operacional, que mantém o dia-a-dia. Nos horários que não tem cliente, faço os outros projetos. O que eu sempre fiz foi tornar a marca do Brasil a Gosto ser mais forte do que a minha Ana Luiza. Eu sou simplesmente porta-voz de uma cultura. Eu sempre formei o Brasil a Gosto para que eu não fosse necessária.

– Hoje, boa parte do seu público é estrangeiro. Isso foi planejado?
Ana Luiza Trajano – 
Sim, eu queria o estrangeiro que vem para conhecer a cultura. Para ele, é ferramenta de negócios saber um pouco mais da cultura. Eu não queria trazer o estrangeiro que vem pelo estereótipo. Eu não tenho prato de moqueca a não ser no domingo, eu não tenho feijoada. Eu sempre quis fugir desse óbvio.

– Qual o maior desafio de empreender nesta área?
Ana Luiza Trajano –
 O maior desafio é manter as pessoas motivadas e, mesmo eu não estando aqui, que a alma do Brasil esteja. Eu tenho feito isso há 4 anos. Minha mãe sempre fala que eu sou muito corajosa. Mas é porque eu acredito, eu sou muito segura nas coisas que eu acredito.

– Para você, o que determina o sucesso? Quem é o seu grande exemplo?
Ana Luiza Trajano –
 A história do empreendedor precisa ser uma verdade, ele precisa ser uma pessoa apaixonada pelo que ele faz. Minha mãe é uma pessoa apaixonada pelo que ela faz. São ramos totalmente diferentes, mas ela nunca teve preguiça e ama o que ela faz. Acho que ela não ficou muito satisfeita quando eu decidi que queria cozinhar. Ela ama minha comida e tem o maior orgulho. Mas não é lucrativo igual ao varejo, ao contrário, dá prejuízo. As margens de lucro perto do varejo são ridículas. Ela fala que é muito tempo trabalhado para ganhar tão pouco. O empresário, diferente do empreendedor, pode achar perda de tempo, mas como eu tenho meu lado artista, tem um tempo de maturação das coisas.

– Qual o seu conselho para quem pensa em abrir um restaurante?
Ana Luiza Trajano –
 Tem que gostar de comer. Quem gosta de comer gosta de cozinhar ou consegue arrumar quem cozinhe bem. Eu vivo para comer, tem gente que come para viver. Se você tiver um negócio de compotas, por exemplo, você vai ser um melhor vendedor se souber como as frutas são colhidas e o processo do tacho. Quem gosta de comer acha pertinente conhecer todo o processo. Para mim, existe comida ruim e boa. Não tem a ver com ser simples ou sofisticada. Você vai saber se gostou mesmo do lugar, quando se lembra do prato que comeu. Comida tem que te marcar, tem que imprimir uma mensagem. Comida tem que confortar o estômago e a alma.

Fonte: Exame