Desconstruir alimentos e dar a eles uma aparência inédita (como um terrário ou sabonete comestível) e apresentar o jantar em forma de performance, promovendo ao cliente uma experiência que envolve outros sentidos, surpreende e estimula a criatividade. Esta foi a forma que o chef de cozinha e artista plástico Washington Silvera, 46 anos, encontrou para fazer com que a arte e a gastronomia andassem juntas.

Couvert de tomates confitados com “labne” e azeite de manjericão. Trata-se de um “couvert” onde o comensal recebe pães artesanais para ser passado no prato. Foto: Fernando Zequinão / Gazeta do Povo.
Couvert de tomates confitados com “labne” e azeite de manjericão. Trata-se de um “couvert” onde o comensal recebe pães artesanais para ser passado no prato. Foto: Fernando Zequinão / Gazeta do Povo.

Filho de marceneiro, desde os 10 anos de idade já usava a imaginação para criar objetos tridimensionais. Aquele foi seu primeiro atelier. Sua imersão no mundo da arte começou quando ajudou o escultor David Zugman, que trabalhava com madeira, em 1992. No ano seguinte ingressou na Universidade Federal do Paraná (UFPR), no curso de Educação Artística com Licenciatura em Artes Plásticas, caminho interrompido dois anos depois.

sabonete, por exemplo, e trabalho uma sobremesa de bavaroise de cupuaçu e coco com espuma de limão
O chef criou um sabonete que é uma sobremesa de bavaroise de cupuaçu e coco com espuma de limão. Foto: Fernando Zequinão / Gazeta do Povo.

A gastronomia surgiu como solução para continuar no campo criativo. Para ele, a cozinha pode ser encarada como um atelier cheio de ferramentas. As manufaturas utilizadas podem receber diferentes tipos de cortes ou ganhar formas geométricas. Por considerar que para desempenhar a parte prática era preciso a teoria, ele foi estudar gastronomia, fez estágio com um dos maiores chefs de cozinha do Brasil, o Alex Atala, do premiado D.O.M. em São Paulo. Em pouco tempo chegou a abrir um bistrô, morou na Europa e quando voltou ao Brasil, em 2008, criou o Kitchen Dub Experience, um projeto que tem se dedicado a unir arte e gastronomia. Alia esta atividade com a de professor de gastronomia no Centro Europeu.

A terra comestível mistura os sentidos. Foto: Fernando Zequinão / Gazeta do Povo.
A terra comestível mistura os sentidos. Foto: Fernando Zequinão / Gazeta do Povo.

O que é exatamente o Kitchen Dub Experience?

Eu sempre tomei cuidado para relacionar arte e gastronomia, não queria fazer algo banal. Então, depois de pesquisar bastante, descobri que a performance, que é uma categoria das artes plásticas, poderia trazer uma experiência ainda maior para quem consome gastronomia. Eu tento aguçar os sentidos, trazer cheiros, ruídos – uso microfones para aumentar o volume do barulho de um refogado ou de fouet batendo na panela, por exemplo; sirvo pães quentes e faço com que ele e outros alimentos sejam tocados. É para ir jantar como se você estivesse indo ao cinema.

Por que você trabalha com formatos de itens usados fora da cozinha em seus pratos?
Marcel Duchamp quando pegou um urinol de porcelana branco, em 1917, e o batizou de “A Fonte” criou uma das obras mais representativas do dadaísmo. Quando ele pega um objeto que não faz parte do meio artístico e o coloca dentro de um museu ele traz para aquilo um novo olhar. É isso que eu quero fazer na cozinha; pego a estética de um sabonete, por exemplo, e trabalho uma sobremesa de bavaroise de cupuaçu e coco com espuma de limão. As pessoas olham e dizem: mas é mesmo um sabonete de comer? É. E essas experiências modificam até o paladar.

Toda gastronomia é arte?
Não. Tem a alimentação que eu faço todos os dias, para sobreviver, com a cozinha trivial. Aqui, definitivamente, não temos arte. E também tem o Kitchen Dub Experience, uma situação em que a gastronomia e arte se encontram. A arte sempre te surpreende. Não pode ser nada “normal”. Tem a questão financeira, você paga caro pela alta gastronomia, não são todas as pessoas que têm acesso a ela. A arte precisa ser gratuita ou mais franca, de alguma forma é preciso que todos tenham acesso a ela.

Mas e a alta gastronomia, ela é arte?
Algumas vezes, sim. Eu vejo sempre por duas perspectivas diferentes, a do artista olhando a gastronomia e se apropriando dela para trabalhar (aqui contamos com profissionais que já estão no território da arte), e a do chef olhando para a arte para se inspirar ou se apropriar dela. É como o famoso chef catalão Ferran Adrià. Nascido na terra de Picasso, ele chegou a ser convidado para uma mostra de arte. Quem sou eu para dizer se é arte ou não? Basicamente, tudo o que o homem chamar de arte é arte, só depende de como ele vai sustentar essa ideia.

Mas o que é arte, então?
Uma das frases que sempre me acompanha é “um novo mundo é um novo olhar”. Uso minhas ideias e conceitos para desconstruir o comum e criar um novo processo. Isso é arte. É fantasia. Você tem potência para criar coisas absurdas.

O que você cozinha todos os dias?
Coisas simples. Principalmente porque estou formando o paladar da minha filha Beatriz, de 12 anos. Acho que esse é um papel fundamental dos pais. As crianças precisam aprender o que é um bom feijão, um arroz bem feito ou uma salada bem temperada. Tem gente que chega à sala de aula comigo e não tem esse conhecimento básico.

O que um chef precisa ter para ser criativo?
Estudar. Fazer pesquisas multidisciplinares. Eu estou fazendo um curso de ilustração botânica, por exemplo. Não sei se isso me faz cozinhar melhor, mas o desenho e a cor me trazer uma bagagem muito grande. Vou começar a pesquisar como achar cores em alimentos e usar a tábua como se fosse uma tela. Tem que ir ao museu. Fazer um curso de cerâmica. No início da minha carreira eu decorava meu prato até em buffet por quilo, tudo é um aprendizado. Eu estava trabalhando técnicas de harmonia, velocidade.

Fonte: Gazeta do Povo