Que os pães de fermentação natural ganharam a cidade não é novidade para ninguém. Já em 2012 o Paladar estampou na sua capa a “nova levain” de padeiros. A brincadeira com o termo em francês que significa levedura apresentava 11 profissionais, em São Paulo, que faziam pães de casca-grossa e miolo elástico, aromático, usando levedos cultivados por eles mesmos.
Mas quem come pão au levain todo dia? O que quase todo mundo come pela manhã no dia a dia é o pãozinho francês, que geralmente é ruim. Sim, ruim – Paladarpercorreu 80 padarias em todas as regiões da cidade e comprovou a tese (confira abaixo o mapa das padarias visitadas). Raramente encontramos pães perfeitos.
E antes que você se sinta ultrajado por essa afirmação sobre o querido e prosaico pãozinho, pense na quantidade de vezes que pegou na mão aquela bolota de cor esmaecida, casca farinhenta, miolo pesado – ou, pior, miolo inexistente, porque oco –, notas aromáticas de margarina e tão quebradiço que sua crosta craquelenta espeta sem dó o céu da boca.
Certo, talvez você contra-argumente com a lembrança irresistível do pão quente, recém-assado, pronto para derreter a manteiga. De fato, é difícil achar defeito em pão quente. Mas pense nesse mesmo pão seis horas depois. Ou no milagre da transmutação da matéria que ele opera ao transformar farinha em pedra, no mísero espaço de uma noite. Não precisa ser assim. Mais: não é para o pão ser assim.
Mas por que o pão francês nosso de cada dia é tão ruim? Por uma série de motivos (veja os cinco pecados do pão logo abaixo). Mas, se for para resumir, o principal problema do nosso pão é o tempo aceleradíssimo de produção.
Do fato de que é preciso ter pão quente de hora em hora nas padarias decorre a maioria dos outros problemas. Porque pão é, na essência, farinha, água, sal e paciência. Tire esta última da equação e será preciso fazer uma série de adaptações e concessões que afetam a qualidade do produto final.
Primeiro, será necessário adicionar melhoradores para que a massa fermente rapidamente, ou ainda, já comprar uma pré-mistura industrial. Depois, a fermentação será feita em ambientes quentes que acelerem o processo – e dá-lhe ácido ascórbico para frear a oxidação exagerada. Adiciona-se ainda gordura (margarina ou banha) para equilibrar a massa e promover aquele brilho extra na casca. Ah, e antes disso, a massa será pouco hidratada, a menos de 50% (alguns dos melhores pães de levain chegam a 80% de água), para que seja mais fácil de manusear – velocidade é necessária!
Bote-se ainda na conta da pressa o baixo envolvimento com a produção e a pouca qualificação da mão-de-obra, que só quer se livrar das fornadas, e pronto: temos a receita de um pão que tem vida útil de duas horas e que tende a ter menos aroma, sabor e textura. Para se ter uma ideia: enquanto o pão francês leva entre 2h e 3h para ir para a prateleira, um pão de fermentação natural leva pelo menos 24h – entre avivar o fermento e assá-lo.
Será que dá para fazer um pão francês melhor sem descaracterizá-lo, sem torná-lo um filão casca-grossa? “Sim! Dá para fazer melhor. Mas temos que mudar a cultura de quem faz e de quem consome”, diz Papoula Ribeiro, da Padoca do Maní, que já coordenou a panificação do Grupo Pão de Açúcar. “De um lado, nossa indústria tem muito a melhorar: na qualidade da farinha e dos equipamentos”, diz ela. “Por outro lado, as padarias também podem fazer melhor. Já entrei em padaria tradicional para dar curso e os homens nem me olhavam no olho. É que é difícil mudar uma cultura; o pão francês do jeito que é vende. Tem que ter fôlego para mudar. E, por fim, temos que educar o cliente, apresentar pães de longa fermentação, mostrar o valor desse produto, que é melhor como alimento, tem sabor e dura mais”, diz Papoula.
Para Rogério Shimura, dono da padaria e escola da panificação Levain, em São Paulo, que já recebeu 4 mil alunos em suas turmas, também é possível fazer o pão francês ficar melhor sem mudar suas características: “Se respeitarmos a técnica, usarmos os ingredientes certos – e temos farinha nacional muito boa já, não é preciso importar – e treinarmos a mão-de-obra, dá certo, o pão melhora”, diz.
E essa não é só a opinião de padeiros artesanais como Papoula e Shimura. “Estamos tentando mudar essa cultura do pão quente a toda hora. Porque não tem jeito, com a fermentação rápida demais, perde-se qualidade”, reconhece Antero José Pereira, presidente do Sampapão, entidade que representa mais de 6 mil panificadores na região metropolitana em São Paulo. Por sinal, termina hoje, quinta-feira, a Fipan, feira do setor que recebe 60 mil visitantes no Expo Center Norte e que realizou palestras sobre fabricação de pães com longa e lenta fermentação. “A gente trabalhava dessa maneira no passado. Fazíamos o pão que levedava de manhã por 4h, 6h, e retinha mais umidade, mais sabor. Estamos tentando recuperar isso”, diz. O Sindipão, em parceria com o Senai, tem promovido cursos de treinamento de mão-de-obra nesse sentido.
“Dá para usar fermentação um pouco mais longa no pão francês. Já tem padarias que começam a fazer”, diz Emerson Amaral, diretor da consultoria Marcio Rodrigues, que ajudou a fazer o guia de produção do pão francês da ABNT. Ele coletou dados de mais de mil padarias em todo o Brasil. E resume com a frase repetida por diversos profissionais da área: “O futuro da panificação é o passado”.
O QUE SE DEVE OBSERVAR NO BOM PÃOZINHO?
Passe o mouse sobre o pão abaixo e descubra o que você deve observar em cada parte dele para encontrar um francês de qualidade.