Você sonha em conhecer Roma, jantar em um restaurante charmoso e típico, na ruazinha de paralelepípedos. Cenário bucólico e bem italiano. Imagina também um belo prato de espaguete à bolonhesa chegando à mesa; ou talvez seria melhor pedir a mesma massa com almôndegas?

Pois bem, parte do seu desejo não vai poder ser atendido – porque tais receitas não existem na Itália. Apesar de associadas à imagem do País da Bota, são derivações que surgiram pelo mundo, quase sempre via Estados Unidos, e se difundiram por aí.

Esse tipo de coisa não acontece só com o país europeu – a globalização da comida rende ‘mitos’ gastronômicos globais. Ao mesmo tempo em que há uma série de coisas do universo alimentar que leva o nome de uma cidade ou país, isso nem sempre quer dizer que seja autêntica de lá. É o caso da torta holandesa, que não tem relação alguma com a Holanda; e do pão francês, que não existe na França.

A seguir, elencamos algumas situações que ilustram bem casos como esses. Confira:

Paleta mexicana

Esqueça aquele leite condensado abundante, cobertura de brigadeiro, açaí com banana. Nem modismos como sabores “detox”- com ingredientes saudáveis como gengibre, laranja e couve- ou os que remetem à drinques, como os de caipirinha. Bem diferente da proporção que ganhou no Brasil, paleta mexicana em seu país de origem, é apenas um picolé: simples, sem recheio e normalmente, à base de frutas.

Torta Holandesa

Sabia que torta holandesa não existe na Holanda? A sobremesa, feita de creme e bolachas de chocolate, é criação 100% brasileira. “Não há nenhum vínculo com a gastronomia do país europeu em questão”, afirma Marcelo Malta, coordenador do curso de Gastronomia do Complexo Educacional FMU, em São Paulo.

Beirute

Mais um exemplo que carregar nome de país ou cidade não é sinônimo de que seja, efetivamente, essa a sua origem. Caso do Beirute, o sanduíche de frios e salada, que nada tem a ver com a cidade em questão, a capital do Líbano. Dados históricos remetem que o lanche nasceu em São Paulo, entre a comunidade de imigrantes e pode ter sido chamado assim pelo uso do pão sírio, típico da alimentação no Oriente Médio.

Pão Francês

O ícone dos cafés da manhã por aqui, o pão francês, também não existe na França. Apesar de fazer alusão à nação europeia que é sinônimo de panificação, ele provavelmente foi batizado assim porque foi criado no início do século 20, época em que estava no auge seguir os bons modos de vida europeus da Belle Époque. Saíram de cena os pães escuros brasileiros e vieram os que conhecemos hoje, de miolo branco e casca dourada.

Porém, apesar de chegar a lembrar uma baguete, ele não faz jus ao estilo dos pães de lá. “Posso dizer que ele pode ser tudo, menos francês. O pão francês brasileiro é branco e com casca fina. Nós, franceses, gostamos do contrário: de um pão bem assado, quase torrado por baixo e com bastante crosta. Ou seja, totalmente diferente”, comenta Alain Poleto, francês radicado no Brasil e chef do restaurante Bistrot de Paris, na capital paulista.

Esfihas

Um dos salgados mais apreciados por aqui, a esfiha, ajuda a rechear a lista de mitos gastronômicos. Nos países árabes, esfiha de muçarela não existe; nem as que utilizam massa folhada no preparo, segundo Patrícia Abbud, do restaurante paulistano Saj. Ela vai além e diz que até mesmo nosso hábito de colocar limão na esfiha de carne não existe por lá. “O costume soa ofensivo para os libaneses mais tradicionais, pois seria um modo de disfarçar comidas sem qualidade”, pontua a chef.

Tacos

No Brasil, tacos quase sempre são feitos com massa farinha de trigo, mais durinhos e recheado com queijos. É a tortilla, o que o mexicano Hugo Delgado, do restaurante Obá, em São Paulo, SP, costuma chamar de casquinha crocante em forma de “u”. E que, na realidade, são os “taco shells”, símbolos da cozinha Tex-Mex, inventada nos Estados Unidos, no início dos anos 60. No México, a iguaria tradicional leva (quando leva) pouco queijo, é molinha e servida quente. “Além do taco em si, o ritual dele à mesa também é muito diferente. Não encaramos como um prato, mas vamos pedindo aos poucos e comendo com as mãos”, explica a mexicana Sol Camacho, sócia do La Central, em São Paulo.

Macarrão

Um belo prato de espaguete à bolonhesa ou com almôndegas são tidos no mundo inteiro como italianos, mas tão pura e simplesmente não existem na Itália. “Há o espaguete ao sugo, feito de molho de tomate. O ragu à bolonhesa faz sim parte do receituário do país, mas somente para acompanhar a lasanha à bolonhesa”, comenta o italiano Ernesto di Renzo, da Università Tor Vergata, de Roma, um dos antropólogos mais renomados no campo da cultura gastronômica de seu país. “Almôndegas também existem, mas nunca junto com o macarrão! Elas são “secondi piatti”, ou seja, é a etapa de carne da refeição e nunca são servidas junto com essa massa”, complementa o pesquisador.

Bacalhau

A Noruega carrega a fama de exportar o melhor bacalhau do mundo. Porém, curiosamente, naquelas bandas raramente o ingrediente é consumido assim. “O consumo é do peixe fresco e tratado como iguaria. A temporada acontece em outubro, época em que é consumido por todo o país. Um dos preparos tradicionais é com suas ovas e com o fígado, ambos frescos, prato que é chamado de ‘torsk med lever og rogn'”, conta a cozinheira Denise Guerschman, especialista no assunto e que comanda o projeto itinerante Jantar Escandinavo, série de eventos itinerantes dedicados à gastronomia nórdica. “A única exceção em que ele sofre algum processo é o tørrfisk, que é peixe para comer como aperitivo, bem sequinho, comum para acompanhar cerveja, na região Norte. Este passa por desidratação ao ar livre, no inverno e sem salga, que lhe leva 70% da água”, explica.

Fonte: Uol Comidas e Bebidas