Não é impressão. Há, sim, cervejas e vinhos sumindo das prateleiras. Com a turbulência política e econômica, dólar e euro mais caros e tributos elevados desde o início do ano, lojas e importadoras estão enxugando seus catálogos. E já aproveitam para tirar também as marcas com pouca relevância – aquele “mais do mesmo” acaba sumindo no embalo.

Em alguns casos, a redução chega a 30% da oferta total de rótulos; em outros, os cortes têm sido mais pontuais – as empresas alegam que o que estão fazendo é “afinamento de estoque”. Na prática, a oferta de bebidas nas prateleiras, que fazia a festa de consumidores no ano passado, está sendo reduzida. E não sem razão.

No novo cenário econômico, o consumidor não deixou de tomar vinho e cerveja, mas está gastando menos com eles. Se há estimativas de que tintos, brancos e espumantes ficaram até 30% mais caros do que em 2015, o fato é que o peso da crise mudou o comportamento do bebedor. Ele está comprando menos e gastando menos em cada compra. Quem costumava pagar R$ 60 por uma garrafa de vinho no ano passado, por exemplo, passou a gastar R$ 40. Acontece que o vinho de R$ 40 de hoje – maio de 2016 –, não é o mesmo de dezembro de 2015. O que agora se bebe é um produto que pode estar até dois patamares abaixo daquele que era habitual no ano passado. E as empresas estão se adaptando ao momento. O St. Marché manteve o número de rótulos disponíveis, 600 no total, mas está fazendo trocas para aumentar a oferta de vinhos de até R$ 60. O diretor da importadora Casa Flora, Adílson Carvalhal Júnior, diz que a venda de vinhos acima de R$ 100 estacionou, sendo a faixa entre R$ 40 e R$ 60 a mais cobiçada hoje.

 Novo estilo. O que deve sumir, ou pelo menos ficar mais raro nos próximos meses, são rótulos “diferentões”, como o Ice Wine da canadense Cave Springs ou os espumantes portugueses da Quinta do Ortigão. Vinhos como estes ainda podem ser vistos nas promoções de queima de estoque que suas importadoras têm promovido com regularidade neste ano.

Vinhos produzidos em lugares menos óbvios e uvas menos populares também estão saindo de cena e dando espaço a uma leva de bebida “para bater”, basicamente vinhos de entrada (como são chamados os mais baratos de uma vinícola), e os de luxo acessíveis, aqueles bem avaliados pela crítica, porém mais baratos.

Nas cervejas, o aumento de preços foi também significativo, não só pelo dólar e pelo euro – caso das importadas – como também pelos consecutivos aumentos de impostos que vêm incidindo sobre as nacionais. Hoje é raro encontrar uma long neck por menos de R$ 20 na carta de um bar, por exemplo.

A mudança de estratégia é regra entre as quase duas dezenas de importadoras ouvidas pelo Paladar na última semana. A boa notícia é que, para manter os negócios, as empresas estão buscando produtos mais atraentes para o bolso. No caso do vinho, a consequência disso é a chegada de uma leva de novas garrafas, além de linhas “econômicas” de marcas consagradas. Em relação às cervejas, são as nacionais que têm conseguido compensar o sumiço de muitos rótulos importados com a considerável melhora da qualidade, além da vantagem do frescor.

Saem os caros e complexos e ficam os bons para o dia a dia

Se você está bebendo pior, é difícil dizer. Mas muito provavelmente está bebendo diferente: vinhos mais jovens, menos complexos. “Dificilmente o vinho mais barato terá o padrão de aromas e sabores de rótulos de preço mais elevado a que o consumidor estava acostumado”, diz a sommelière Eliana Araújo, da Wine Soul. “Vemos também uma perda de diversidade, uvas pouco comerciais e produtores pequenos estão sumindo. É triste”, afirma o sommelier Marcos Martins, do Tête-à-Tête.

Vinhos produzidos em lugares menos conhecidos devem ter a presença reduzida por aqui, enquanto algumas regiões ficaram mais “amigáveis” para o mercado brasileiro, seja porque já têm o perfil de vinho econômico, como parte de Portugal (Alentejo) e o sul da Itália, ou porque também são afetados pela desvalorização cambial, como o Chile.

“O que estamos fazendo de diferente, que nunca fizemos antes, é chorar, negociar mais”, diz Ciro Lilla, da Mistral.

Nos restaurantes, as cartas também estão mudando. Até no grupo Fasano, ícone do luxo, os clientes estão buscando vinhos mais baratos. Manoel Beato, sommelier do grupo, diz que teve que incluir opções da faixa dos R$ 100, antes inexistentes ali, além de substituir rótulos, como o do Borgonha servido em taça – era o Dominique Laurent Numero 1 e foi trocado pelo Clotilde Davenne, de preço mais baixo (custa R$ 115 no site da De La Croix). “Alguns dos vinhos que vendíamos subiram até 100%. Você pode morrer com as coisas na mão”, diz Beato.

Alegria. Se alguém está feliz com esse cenário são os supermercados. O Pão de Açúcar, que vendeu 18 milhões de garrafas no ano passado, prevê chegar a 19 milhões neste ano. “As pessoas estão deixando de comer fora, mas reúnem amigos em casa e têm comprado mais vinho no supermercado”, diz o consultor de vinhos da rede, Carlos Cabral. A faixa que mais vende no supermercado, segundo ele, é a de rótulos de até R$ 40. No momento, Cabral trabalha para aumentar a oferta desses rótulos. Hoje, 43% dos vinhos vendidos pelo Pão de Açúcar são de importação própria e a meta é chegar a 80%.

Birra. Apesar do enxugamento de portfólio dos pontos de venda, como no caso da Cervejoteca, por exemplo, que baixou de 800 para 730 rótulos, o mundo da cerveja está mais otimista.

Se por um lado marcas adoradas como Rogue, Ballast Point e Mort Subite vão deixando os fãs a ver navios – e ainda não se sabe se voltarão um dia – o momento favorece as cervejarias brasileiras. Apesar da alta do preço da matéria-prima, dos impostos e insumos, os rótulos nacionais continuam, na grande maioria dos casos, mais baratos do que os importados. E estão ganhando força também nos restaurantes.

Novas marcas continuam sendo lançadas (muitas são produzidas em cervejarias de terceiros com capacidade ociosa). E isso mantém o mercado aquecido, já que o consumidor brasileiro de cervejas não costuma ser fiel à marca, vive em busca de novidades, e já aprendeu que cerveja boa é cerveja fresca.

Garrafas de 500 ml e 600 ml estão em alta (na ponta do lápis, custam menos que as long neck) assim como os chopes, com mais torneiras espalhadas pela cidade, que permitem a compra de doses menores, tornando possível provar um rótulo gastando pouco.

Fonte: Paladar