Com a inflação salgando a alimentação dentro e fora de casa, donos de restaurantes da região Centro-Sul de BH optam por cortar valor da comida mesmo com alta nos custos

Em um ano, a cebola ficou 60% mais cara, o preço do alho subiu em 53,66%, sem contar o tomate que teve um aumento de 47%. Comer em casa ou em restaurantes self-service virou pesadelo para o bolso do consumidor. Por sua vez, na batalha para atrair a clientela e não deixar cair o movimento, estabelecimentos tentam driblar o dragão reduzindo preços da comida a quilo e tirando do cardápio os alimentos corroídos pela inflação. Na ponta do lápis, a alimentação nas residências ficou 14,03% mais cara e fora de casa subiu em 10,56% nos últimos 12 meses em Belo Horizonte. Para empresários, por enquanto, o lucro está ficando difícil de ser alcançado, porque a conta está salgada: além dos alimentos, os valores da energia, combustível e gás (custos indiretos), também sofreram alta de até 15%, segundo pesquisa divulgada sexta-feira pela Fundação do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead).

“O aumento dos preços dos produtos alimentícios é sentido diretamente pelo consumidor, o qual vê o seu poder de compra diminuir mês a mês”, comenta a coordenadora de pesquisa do Ipead, Thaíse Martins. Ela ressalta que o aumento nos custos dos empresários, com mão de obra, energia elétrica e aluguel são fatores que contribuem também com a inflação da alimentação fora de casa. “Estamos fazendo mágica”, comenta o administrador do Restaurante Kasbah, no Bairro Funcionários, Fernando Rocha. Ele conta que, na teoria, ele deveria repassar os custos do restaurante ao consumidor final. “Mas não estamos conseguindo fazer isso, com medo de afugentar a clientela. Com isso, massacramos a lucratividade”, afirma Rocha.

Todo o esforço do restaurante para não perder o movimento, inclui a gestão dos custos e dos preços. “Não posso tirar o churrasco do self-service do meu almoço, porque é o meu carro-chefe. O que fizemos foi diminuir o preço do quilo, que até setembro do ano passado era R$ 49,80 e passamos para R$ 46,90”, revela. Além disso, o restaurante também deixou de servir alguns alimentos, conforme destaca Rocha. “O camarão é um deles, o charuto de folha de uva também. A carne de cordeiro, por exemplo, colocávamos todo o fim de semana, assim como as massas mais elaboradas. Tivemos que tirar”, diz. Isso porque, no ano passado, o estabelecimento sofreu uma redução de 25% no movimento.

ESTRATÉGIA

No ano passado, por causa desse mesmo problema, o restaurante Famintus, também no Bairro Funcionários, reduziu o valor do quilo no self- service de R$ 38,90 para R$ 26,99, o que ajudou o empresário Rogério Rosas a retomar o movimento no estabelecimento. No restaurante Graciliano, na Zona Sul, a mudança foi também no formato. Há seis meses, o quilo custava R$ 64,90, incluindo aí a comida japonesa. Desde então, o Graciliano passou a cobrar R$ 49,90 sem os alimentos orientais, e R$ 69,90 para quem servir comida japonesa. A prática é comum em outras casas, que cobram itens a parte e com preço diferenciado ampliando o leque de opção para os consumidores como forma de manter a clientela.

Com a recessão e o desemprego em alta, a inflação salga a alimentação fora de casa. Segundo o Ipead, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da capital mineira fechou em 11,82%, o maior percentual dos últimos 12 anos. No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a alta foi de 10, 67%, também a maior desde 2002. Segundo o instituto, o que mais pesou no bolso do brasileiro no ano passado foi o aumento de preços dos alimentos e das bebidas. De 8,03% em 2014, a taxa subiu para 12,03%. Não foi o aumento mais forte entre todos os tipos de gastos analisados pelo IBGE, mas seu peso é o maior no cálculo do IPCA. Ainda segundo o IBGE, o grupo alimentação e bebidas ficou em 9,69% mais caro nos últimos 12 meses.

Apetite do dragão

A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor – Semanal (IPC-S), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), acelerou em seis das sete capitais pesquisadas na primeira quadrissemana de janeiro em relação à quarta leitura de dezembro, divulgou a instituição nontem. No geral, o IPC-S avançou de 0,88% para 0,99% entre os dois períodos. Por região, o IPC-S apresentou acréscimo na taxa de variação de preços em Salvador (de 0,93% para 1,07%), Belo Horizonte (De 0,72% para 0,92%), Recife (de 0,81% para 0,98%), Rio de Janeiro (de 1,33% para 1,41%), Porto Alegre (de 0,69% para 0,83%) e São Paulo (de 0,71% para 0,83%). No período, O IPC-S desacelerou apenas em Brasília (de 0,97% para 0,84%).

Recessão come a margem de lucro

O diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Lucas Pêgo, avalia que a estratégia de redução no preço do quilo é pontual e que ainda não é o melhor para os restaurantes neste momento. Ele conta que os alimentos são o insumo principal para o setor, e todos itens tiveram aumento significativo. “A cebola, a batata-inglesa e outros itens aumentaram muito. E não tem como não repassar isso para o consumidor”, afirma. Ele reconhece que o segmento tem feito um esforço grande para manter os valores.

Na visão de Pêgo, o melhor para driblar a crise e não ter prejuízos é mexer no cardápio. “A moranga, por exemplo, é um item que não sofreu aumento. Então, é interessante, o empresário oferecer um purê de moranga, diminuir no uso da cebola e da batata-inglesa”, diz. Pêgo afirma que o preço alto não significa que está entrando mais dinheiro no bolso do empresário. “A nossa margem de lucro era de 12% a 15%, hoje está em média 5%”, lamenta.

Pêgo ressalta ainda que os empresários têm os custos indiretos, como energia elétrica, gás de cozinha e transporte. De acordo com o IBGE, o botijão de gás teve um aumento médio de 22,55% no país. Em Belo Horizonte, segundo o instituto, o combustível subiu 21,51% nos últimos 12 meses. E segundo dados do Ipead, somente na capital a conta de luz ficou 38,02% mais cara. “A única queda que temos observado é no valor do aluguel, em função do mercado. Mas ainda não está sendo percebido no setor”, comenta, dizendo que esse custo mais baixo está mais fácil de ser negociado para quem está entrando em determinado bairro. “Para quem quer renegociar e pede para baixar o preço do aluguel é impossível”, diz,

Em 2015, de acordo com dados nacionais da Abrasel, o setor de bares e restaurantes teve um crescimento nominal de 7%, sem levar em consideração a inflação. “Se levarmos em consideração a alta dos preços, houve uma queda de 3%. Para 2016, a gente prevê um aumento nominal de 7,5%, mas considerando a inflação, pode ser que haja uma alta de 0 a 1%”, aposta. Pêgo afirma também que o fechamento de bares e restaurantes em BH não é novidade para a associação, mas diz que a entidade se preocupa quando vê que, muitos empresários, com experiência no ramo, estão fechando as portas.

Em setembro, reportagem do Estado de Minas mostrou que a crise econômica fechou cerca de 500 estabelecimentos, somando desde os pequenos bares e lanchonetes até casas de maior porte. Nessa conta, também entram diversos restaurantes tradicionais, voltados para as classes A e B, em regiões como Centro-Sul, Oeste e Pampulha.

Fonte: em.com.br