“Se lo puoi sognare, lo puoi fare” (“Se o homem pode sonhar, ele pode fazer”). A frase do empresário Enzo Ferrari, fundador da mítica fábrica de automóveis italiana que leva seu nome, é empregada constantemente por Massimo Bottura. Com três estrelas Michelin e o título de melhor restaurante do mundo, com a sua Osteria Francescana, o chef, nascido em Modena como Enzo Ferrari, está prestes a realizar mais um sonho: o Refettorio Gastromotiva, um restaurante comunitário que irá oferecer refeições gratuitas para a população carente durante todo o período da Olimpíada e Paralimpíada.

— O modelo é o mesmo do Refettorio Ambrosiano, onde mais de 65 chefs internacionais cozinharam com ingredientes excedentes vindos da Expo Milão 2015, Exposição Universal — explica o chef estrelado, que terá ao seu lado Alex Atala, Alain Ducasse, Joan Roca e outros grandes nomes da gastronomia mundial na sua aventura brasileira.

A filosofia de aproveitar os excedentes não é uma novidade.

— É algo que já faziam nossas avós e onde a extraordinária culinária italiana teve sua origem — rebate Massimo Bottura que lembra como sua avó dava nova vida ao pão seco usando leite e açúcar. — Inicialmente, incorporamos a ideia na Osteria Francescana preparando com o que restava o almoço e jantar de nossos funcionários. A partir daí, pensei por que não fazer algo por quem necessita, depois de ter recebido tanto nessa vida?.

O projeto cultural — e não ouse chamá-lo de obra de caridade — ganhou grandes proporções e se mostrou um sucesso em Bolonha e em Milão, onde Massimo Bottura e outros 60 chefs transformaram mais de 15 toneladas de alimentos excedentes em refeições para os mais necessitados no Reffetorio Ambrosiano. No Rio, um esquadrão de colegas estrelados irá usar os excedentes dos restaurantes da Vila Olímpica para criar menus deliciosos e nutritivos. Mais do que boa gastronomia e solidariedade, nutrir o planeta é o verdadeiro foco do melhor chef do mundo. Sua objetividade e inteligência são palpáveis quando ele fala sobre o assunto.

— A cada ano, 1,3 milhão de toneladas de alimentos acabam no lixo. É ou não é um desperdício? — observa ele, que, diante de tal situação, criou a ONG Food for Soul, que realiza ações endereçadas ao uso de alimentos excedentes para comunidades carentes. Tudo com qualidade. Engana-se, porém, quem veja na tenácia de Massimo Bottura um viés beneficente.

— O modelo do Reffetorio não é esse. Queremos oferecer alimento e dignidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade social — ratifica o chef italiano, que não só pensou em colocar à disposição uma culinária de excelência, mas também criar um espaço digno que se equipare aos ambientes dos mais refinados restaurantes. — No Rio, teremos a disposição peças de renomados designers como os irmãos Campana, o artista Vik Muniz e os talentosos grafiteiros Os Gêmeos. Iremos nutrir corpo e alma.

Massimo Bottura é um turbilhão. De ideias, de projetos, de pensamentos. Um visionário que não para. Ele não mede palavras e críticas quando o assunto é comida. Sua cidade natal, Modena, jamais lhe ofereceu limites. Pelo contrário. É fonte de inspiração. Adepto da valorização do território, consumo do que sua própria região produz, investimentos à agricultura e ajuda aos produtores locais, o chef acredita que uma boa política possa ajudar não só a criar novos profissionais da gastronomia mas, sobretudo, incentivar o turismo e ainda erradicar a fome.

— A Itália só conseguiu atingir seu ápice gastronômico graças a criação de consórcios de pequenos produtores e incremento de seus produtos locais. Valorizamos o que é nosso — observa. — Brasil, México e Peru possuem poucos chefs estrelados e poderiam estar repletos de restaurantes premiados. Alex Atala, que é um grande amigo, entendeu que usar a cultura brasileira seria um dos fatores para o seu sucesso.

A cultura, por exemplo, é fundamental para Massimo Bottura na hora de cozinhar. Sem cultura não se produz arte de qualidade. E paixão.

— Cozinhar é um ato de amor, amor pelos ingredientes, amor pela qualidade, amor pelo que se faz. Um grande cozinheiro é um artesão e não um artista que tem liberdade para criar. Nós, trabalhamos com as mãos e temos de transformar o alimento em uma boa comida — filosofa o premiado chef, que não confirma, mas não omite, a abertura de um Reffetorio no bairro do Bronx, em Nova York, no ano que vem, em parceria com o ator Robert De Niro. — Só falo do Rio neste momento. Estive apenas duas vezes na cidade e quero que essa minha volta seja completa. Adoro o entusiasmo, a alegria, a esperança e a capacidade de sonhar do brasileiro. O Brasil é como um carregador de baterias. A gente volta revigorado — confessa Massimo Bottura, que embora goze do título de melhor chef do mundo, não se contenta. — É muita responsabilidade. E por isso continuo sonhando e realizando meus sonhos. E agora é hora do meu sonho carioca.

Fonte: O Globo