Washington, Colorado, Nevada, Oregon e Alasca vivem uma revolução gastronômica. Não, não foi um bando de superchefs que pousou nesses estados norte-americanos abrindo franquias de seus restaurantes estrelados ou redefinindo técnicas culinárias. A “modernidade gourmet” por aquelas bandas se deve à liberação, para uso recreativo e medicinal, da erva que por muito tempo foi chamada de “maldita”: a maconha.

Ela e o THC, sua principal substância psicoativa, hoje são ingredientes de todo tipo de alimento, de chocolates e biscoitos até sorvetes e sopas instantâneas, passando por refrigerantes e cafés. Tais produtos podem ser comprados por maiores de 21 anos nos dispensaries, estabelecimentos licenciados para a venda da erva e de seus derivados comestíveis ou aromáticos.

Festa secreta
A comoção em torno do assunto começou em 2012, quando o bartender Mike Stankovich, do restaurante Roberta’s, uma pizzaria do Brooklyn, em Nova York, organizou uma festa privada com pratos e coquetéis à base de maconha. Um ato de desobediência civil, já que a substância não era liberada naquele estado (hoje é permitido o uso medicinal de tinturas e óleos à base de maconha, e não a venda da planta em si, embora restrito a casos clínicos específicos).

Com a divulgação do evento, a centelha estava lançada. Mas quem não quer se arriscar em fórmulas caseiras, e tem a oportunidade de viver em estados onde o uso recreativo ou medicinal da erva é permitido, conta com o serviço de chefs especializados no assunto.

A californiana Coreen Carroll, por exemplo, oferece uma experiência de harmonização de comida, vinhos e cervejas com tipos diferentes de cannabis, em jantares fechados vendidos pela internet. Na Califórnia, o uso da maconha é permitido para fins medicinais – os convidados de Coreen, portanto, devem estar em dia com suas receitas.

“Nonna Marijuana”
Há diversas “bíblias” virtuais para quem quer se inteirar do assunto, a começar pelo site Munchies (“munchies” é a gíria americana para “larica”), que, entre outros feitos, celebrizou Aurora Leveroni, de 93 anos, uma das principais ativistas do uso medicinal e gastronômico da cannabis.

Conhecida como Nonna Marijuana, Aurora virou estrela de uma série de vídeos, ensinado receitas italianas como nhoques ao molho de manteiga, frango à caçadora e biscoitinhos natalinos – tudo com maconha. Outra produção do Munchies, na série denominada “Bong Apettit”, mostra diversas maneiras de preparo de café com cannabis – incluindo a receita do Café de Hashashin, popular entre escritores como Honoré de Balzac, Charles Baudelaire, Alexandre Dumas e Victor Hugo na Paris do século 19.

A coquetelaria não fica de fora, embora a venda de bebidas alcoólicas com infusão de THC não seja permitida em nenhum desses estados e tampouco naqueles em que o comércio da erva só é permitido com fins medicinais. Explica-se: os locais licenciados para a venda de álcool não podem vender maconha ou produtos com algum teor de canabinoides como o THC – e vice-versa. Isso não impede que mixologistas e entusiastas do assunto testem receitas e técnicas de extração e infusão do THC em destilados e troquem dicas na internet.

Imposto verde
Apreciar um menu como esse não é, necessariamente, uma experiência de outro mundo, pois os efeitos dos canabinoides vão depender do tipo de extração feita. Como explica o neurocientista Renato Filev, membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP), a extração caseira do THC usando ingredientes como vodca ou uísque pode ser fraca. Extraído em óleos como a manteiga ou o azeite de oliva, tende a ter efeito mais potente. O que se ganha, além do THC, é a presença dos aromas da planta à bebida ou à comida”.

Não é difícil imaginar um futuro em que especialistas versem sobre as propriedades aromáticas das diversas variedades de maconha, como fazem sommeliers de vinhos e de cervejas. E o mercado de trabalho – direto ou indireto – aberto pela legalização tem atraído muitos profissionais, inclusive na área de turismo. No Colorado, a venda de maconha e seus produtos derivados bateu a casa dos US$ 996 milhões em 2015, segundo dados oficiais do estado, que arrecadou US$ 135 milhões em impostos “verdes” no período.

Em todos os Estados Unidos, o mercado legal movimentou de US$ 3,4 a 4 bilhões no ano passado, segundo a empresa MJIC (The Marijuana Investment Company), que investe em projetos relacionados à cultura da cannabis e dá apoio de marketing a empreendedores do ramo. Entre eles, a emergente indústria da gourmetização da maconha, que começa a fazer escola.

Fonte: Comidas e Bebidas Uol