Quando a quantidade de cursos de gastronomia no Brasil ainda era muito pequena, não muito tempo atrás, quem queria se profissionalizar na área acabava procurando instituições no exterior – alternativa possível para poucos – ou começava diretamente nas cozinhas, ascendendo com a experiência prática. Hoje, ainda que a profissão de gastrônomo não seja regulamentada, o segmento passa por mudanças e o grande número de cursos ajuda a valorizar a formação profissional. Apesar disso, não há padronização dos currículos, e o estudante precisa optar entre curso tecnológico, bacharelado ou pós-graduação.

Um exemplo dos cursos especializados surgidos nos últimos anos é o da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro. Criado em 2001, foi o primeiro de muitos no país a formar tecnólogos em gastronomia. Com dois anos e meio de duração, tem como objetivo promover uma rápida inserção dos alunos no mercado de trabalho, com grande carga de aulas teóricas, mas com mais de metade do currículo voltado para atividades práticas. O curso também tem uma parceria internacional com a escola francesa Alain Ducasse Formation, com um currículo que mescla o ensino da culinária nacional com a adaptação da cozinha francesa à realidade brasileira a partir do uso de ingredientes nacionais.

“A diferença do curso tecnológico para o de bacharelado é que o primeiro insere mais rapidamente no mercado de trabalho, apesar da menor base teórica. A maioria dos nossos alunos são jovens que desejam um rápido ingresso no mercado de trabalho, que atualmente é muito bom para os estudantes de gastronomia. Diferentemente da época em que o curso foi criado, quando a formação era feita na prática, começava-se lavando panelas. Os profissionais de hoje já sabem o que querem, são mais decididos”, diz a coordenadora do curso de gastronomia da Estácio de Sá do Rio de Janeiro, Cláudia Fortes.

Para Cláudia, tanto o mercado nacional quanto a mentalidade do profissional de gastronomia passaram por mudanças ao longo dos últimos anos: os que seguem na profissão são aqueles que têm vocação para a atividade, e são reconhecidos pelos proprietários de estabelecimentos do segmento. Além disso, a coordenadora não acredita na ocorrência de uma padronização nos currículos dos cursos, com a obrigatoriedade de algumas disciplinas que seriam ensinadas em todos eles. “É muito difícil que surja uma padronização, pois cada universidade tem seu estilo, sua diretriz diferente”, afirma.

Para João Leme, chef de cozinha e presidente da Associação Brasileira da Alta Gastronomia (ABAGA) – a representante nacional de competições gastronômicas internacionais no país, e que também realiza parcerias com universidades como Unisinos e Senac, no Rio Grande do Sul, auxiliando nas aulas e elaboração de currículos -, apesar da experiência prática ser vital, a formação nos cursos de gastronomia é muito importante e, em muitos deles, ela ainda precisa ser mais completa. “A especialização por si só não é suficiente, mas, se bem feita, já é um bom começo na carreira gastronômica. Contudo, é necessário que se invista mais nisso, especialmente na formação dos professores. O docente tem que ter experiência de mercado, não apenas seguir uma cartilha, pois quando o aluno se acha mais capaz que o professor, ele se torna arrogante e despreza o curso. A base acadêmica e a formação nos cursos têm de ir além dos estágios”, destaca.

Bacharelado 
Apesar de grande parte dos cursos de gastronomia do Brasil formarem tecnólogos, também existem instituições que formam bacharéis na área, como a Universidade Federal Rural do Pernambuco (UFRPE), uma das primeiras – e ainda uma das poucas – instituições públicas do país a oferecer curso superior no segmento, com duração de quatro anos. Desde 2005, a UFRPE mescla a parte prática com diversos conteúdos teóricos, abordando disciplinas relacionadas com a gastronomia, como as diferentes culinárias nacionais e mundiais, bem como bioquímica, microbiologia e conservação dos alimentos.

“O curso prepara o aluno para trabalhar nas áreas de ensino, pesquisa e extensão, além de estimulá-lo a realizar atividades práticas. A gastronomia é uma profissão recente, o que torna muito difícil limitar quais são as competências do seu profissional, pois cada curso tem diferentes matrizes”, afirma Neide Shinohara, professora do curso de Gastronomia e Segurança Alimentar da UFRPE. Segundo ela, especialmente nas instituições públicas de ensino, a grande preocupação dos profissionais da área é discutir a formação e os limites da profissão e daqueles que trabalham com ela, sendo essa uma das maiores dificuldades ainda enfrentadas pelo segmento. “Nós estamos discutindo as competências do profissional de gastronomia, para que elas sejam bem definidas, havendo a legitimidade dos gastrônomos para exercerem a profissão”, destaca.

Diferentemente da UFRPE, grande parte das universidades públicas do país ainda não conta com cursos de graduação em gastronomia, seja tecnólogo ou bacharel. Muitas delas oferecem pós-graduação na área, como a UnB, que dispõe de projetos de pesquisa e especialização em gastronomia, abordando temas como tecnologia de alimentos e gestão de negócios.

“Antigamente, o Brasil tinha um grande déficit de professores de gastronomia, então valia a pena estudar no exterior. Existem pessoas que ainda têm essa visão, mas acredito que hoje a situação seja outra, pois aqui nós temos o conhecimento dos ingredientes locais e da cultura regional brasileira. Na UnB, oferecemos apenas a pós-graduação na área, pois existe uma série de dificuldades para se criar um curso de graduação em gastronomia. Além da necessidade de ter uma estrutura muito grande, há a questão do professor: os docentes das universidades públicas precisam ter mestrado e doutorado, e poucos profissionais de gastronomia contam com esse requisito”, destaca Ana Rosa Santos, coordenadora de projetos em gastronomia da UnB.

Fonte: Terra