A Rio-2016 acaba e deixa como uma das marcas registradas da Olimpíada os food trucks, que invadiram o badalado Boulevard Olímpico, na área do Porto, os arredores de estádios e arenas e até as dependências do Parque Olímpico, na Barra. A versão gourmetizada da comida de rua caiu no gosto dos brasileiros e já ganhou até endereços fixos nas capitais de Rio e São Paulo.

Ao colocar uma lupa sobre seis eventos realizados nas duas cidades, a Proteste Associação de Consumidores descobriu falhas que podem levar o consumidor a uma indigestão. Os principais problemas levantados na pesquisa são relacionadas à higiene, tanto do ambiente, quanto na preparação de alimento, e à segurança, como instalações elétricas improvisadas e uma profusão de botijões de gás.

Outra questão apontada é a impossibilidade de devolver créditos não utilizados em locais que trabalham com venda de fichas para consumo.

A análise foi feita em eventos fixos e itinerantes, em abril, no Rio, no Food Park Carioca, na Tijuca, na Feira Planetária, na Gávea, no Mixturado Rio Park e no Festival Beer&Food, estes últimos na Barra da Tijuca. E em São Paulo, na Benê Food de Arts, na Avenida Paulista e na Tatuapé Street Park, no bairro do Tatuapé.

Na preparação dos alimentos, segundo a Proteste, são ignorados cuidados básicos, como lavar as mãos ou usar luvas descartáveis. A falta de higiene foi comprovada pela análise de produtos, de churros à comida tailandesa, comprados em 28 estabelecimentos nos seis eventos.

Segundo a avaliação laboratorial, 35% tinham bactérias — mesófilos aeróbios — acima do limite seguro para consumo humano, o que sinaliza descuido na manipulação. Segundo Juliana Ribeiro Dias, técnica responsável pelo teste, no entanto, esse tipo de bactéria não causa danos à saúde, mas o ambiente em que foram encontradas é propício ao desenvolvimento das bactérias patogênicas causadoras de intoxicação alimentar e infecções:

— Essa é a maior preocupação. O caso mais grave foi o de uma comida tailandesa adquirida em uma das feiras de São Paulo, que apresentou 36 vezes mais Bacilus Cereus (bactéria patogênica) do que o aceito por resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — destacou Juliana.

Dados compatíveis da vigilância sanitária

Coordenador de Alimentos da Vigilância Sanitária municipal do Rio, Luiz Carlos Coutinho, conta que as ações de fiscalização foram intensificadas durante a Rio-2016 diante da proliferação desse tipo de comércio de alimentos. Ele reconhece que o estudo da Proteste corrobora a estatística mensal da Vigilância Sanitária.

Segundo Coutinho, por mês, são recebidas cerca de 600 reclamações de consumidores, incluindo nesse rol as queixas sobre food trucks e food bikes. Em média, diz, 30% dos itens colhidos nos estabelecimentos sobre rodas apresentam inconformidades.

O coordenador da Vigilância Sanitária carioca afirma que os procedimentos de atuação do órgão em relação ao funcionamento, manipulação e conservação dos alimentos nos veículos são os mesmos aplicados aos estabelecimentos fixos, como bares, restaurantes e lanchonetes:

— Nos baseamos no tripé controle rigoroso de temperatura do alimento, principalmente os de origem animal; higiene do ambiente e do manipulador; e qualidade do alimento, da matéria-prima.

Quanto à falta do uso de luvas durante a manipulação dos alimentos, apontado como uma das críticas ao funcionamento dos trucks pela Proteste, Coutinho explica que a legislação do Rio não exige o acessório:

— A orientação é que lavem as mãos, com água e sabão, essa é a melhor forma de preservar a limpeza. A luva pode estar com resquícios de produto contaminado. Outra questão em relação às luvas é o risco de acidente, pelo fato de os atendentes manipularem chapas e mexerem com fogo.

Outro problema levantado pela análise da entidade de defesa do consumidor foi a existência de fios soltos pelo chão no local de passagem do público. O armazenamento inadequado dos botijões de gás também preocupa.

É que se observou casos em que estavam instalados nas áreas internas dos veículos, o que pode colocar em risco a integridade de quem trabalha, segundo os técnicos, devido à pouca ventilação. Além de locais sem proteção adequada. Os pesquisadores também registraram falta de extintores de incêndio e ausência de aterramento.

Apesar dos resultados, a coordenadora do teste afirma que ninguém precisa deixar de frequentar esses estabelecimentos, mas deve haver cautela na escolha do local e do alimento:

— Alguns pontos devem ser levados em consideração no momento de comprar sua refeição: se há alimentos expostos, fora de refrigeração, bancadas sujas. Observe a higiene do local e de quem manipula os alimentos, se lava as mãos sempre que muda de atividade, e se há presença de depósitos de lixo em quantidades suficientes e acondicionados de maneira adequada — orienta Juliana.

Eventos dizem ter atenção

O Corpo de Bombeiros, por sua vez, informou que a fiscalização é feita rotineiramente e varia conforme a frequência e tamanho dos eventos. Para liberar o funcionamento dos trucks, explica a corporação, são solicitados uma série de itens, que vão de documentos de regularização até equipamentos de segurança contra incêndio.

Em nota, admite, no entanto, não fiscalizar diretamente os eventos, já que a responsabilidade cível e criminal é dos promotores e proprietários dos veículos.

Com exceção do organizador do Tatuapé Street Park, Basileu Fontinelli, que não respondeu à “Defesa do Consumidor”, os responsáveis pelos demais eventos informaram que a preocupação com a higiene e a segurança é constante e que seguem normas e padrões determinados pelos órgãos competentes e as legislações vigentes.

O Food Park Carioca ressaltou que aqueles trucks que não seguem os padrões não têm contratos renovados. Quanto aos fios soltos mencionados pela Proteste, a assessoria do evento informou que estavam em local isolado, onde não há acesso ao público. E acrescentou que há uma distância entre os trucks e contêineres, que permite a circulação segura de funcionários e público.

Segundo Rita Pescuma, idealizadora da Benê Food des Arts, em São Paulo, a questão de cabeamento e instalações elétricas era preocupante, e por este motivo, contrataram, em maio, antes de receber o resultado do teste, uma empresa para fazer o aterramento e a regularização da fiação.

O evento, diz Rita, tem, diariamente, um engenheiro eletricista à disposição, além do suporte do Corpo de Bombeiros. Ainda de acordo com Rita, uma equipe de nutricionistas fiscaliza manuseio, armazenamento e condições de refrigeração e temperatura de cada food truck ou trailler.

Em relação específica ao uso de fichas para consumo, Roberto Freitas, sócio da Feira Planetária, diz que há aviso nos caixas sobre a política de não devolução dos créditos adquiridos. E que, em alguns casos, é possível a devolução de pequenos valores. A ideia do sistema, diz Freitas, é evitar a manipulação de dinheiro pelos expositores.

Fonte: PEGN