O que prende sua atenção quando você sai rolando o feed de uma rede social: uma notícia aleatória, um textão que um amigo compartilhou ou um vídeo ensinando a preparar um chamativo e apetitoso jantar? A maioria vai na terceira alternativa. O encontro entre gastronomia e redes sociais tem rendido não apenas água na boca, mas também negócios lucrativos. Ter um canal de receitas no Youtube, por exemplo, com vídeos bem produzidos, é garantia de chegar aos milhares de assinantes.

Desde o ano passado essa tendência tem se afirmado. “Podemos garantir esse sucesso a alguns fatores”, conta o publicitário e empreendedor digital Celso Fortes. “Destaco itens como a praticidade, o crescimento de interresse por parte das pessoas na gastronomia e a necessidade de voltar a comer e cozinhar em casa. As pessoas estão convencidas que este hábito é mais barato e saudável”, ressalta.

Com o aumento da renda nos últimos anos, os brasileiros passaram a comer mais fora de casa. De acordo com o Instituto de Food Service, a alimentação fora do lar teve um crescimento médio de 15% entre 2005 e 2014 – com destaque para os anos de 2013 e 2014, quando a receita do segmento passou de R$ 112 bilhões para R$ 132 bilhões, representando 33% do varejo de alimentos do país. No entanto, o aumento do desemprego, retração econômica e estagnação da renda fez com que mais gente colocasse a mão na massa e redescobrisse o prazer de preparar o próprio alimento. Nessas horas, nada melhor do que um tutorial em vídeo para evitar um desastre na cozinha.

A demanda no Brasil por receitas em vídeo tem crescido tanto que já atrai o interesse de grandes canais lá de fora. Em entrevista ao Meio&Mensagem, a diretora global do canal Tasty – que já deve ter passado pelo seu feed no Facebook – afirma que o mercado é estratégico. “Estamos focados em construir nossos negócios em torno de publicidade e investir no time brasileiro. O País é prioridade para nós, pois alcançamos, com a página global do Tasty, 70% dos brasileiros presentes no Facebook. É a página que mais cresce entre outros países”, disse Ashley McCollum.

Mas esse interesse por preparar comida não é apenas prático, mas social – outro fator que explica o interesse dos brasileiros pelo assunto. “[O Tasty] não é apenas sobre informar e entreter, mas um conteúdo que eu compartilho com você e acho que vai fazer o seu dia melhor. Portanto, é sobre criar algum tipo de conexão”, disse Ashley. Fortes tem a mesma opinião. “A gastronomia é uma forma de socializar, pois é capaz de unir a família e os amigos. Esse hábito é milenar e está no DNA das pessoas que costumam transformar essas ocasiões em um momento de troca social”, explica.

Profissionalização

Apesar da tendência, esse já é um mercado amadurecido que conta com players fortes e consolidados. Para Greta Paz, diretora da produtora de vídeos MPQuatro, o aumento no interesse favorece a entrada de novos atores, mas é necessário apresentar um trabalho de alto padrão. “Os interessados vão entrar em um mercado competitivo, um território que já está bem ocupado. Portanto, é preciso ter um bom diferencial”.

Os nomes dos canais mais populares já indicam que a disputa é acirrada: Receitas de minuto, Menos de R$20, Micro Sobrevivência, Presunto Vegetariano… Mas nem todos apostam na alta produção para atrair visualizações. A culinarista Nani Rangel, que dirige um canal de receitas saudáveis, aposta na simplicidade. “As pessoas gostam das receitas que eu mesma filme pois a espontaneidade chama mais atenção delas. Acredito que vivenciando uma experiência caseira, elas se identificam mais do que uma alta produção”, diz.

Viver de vídeos

Isadora Becker não chegou por acaso nesse mercado. Apesar de ter cursado Letras durante dois anos, deixou o curso para se dedicar à paixão pelos alimentos e concluiu a graduação em Gastronomia. Em 2011, junto com mais dois amigos, iniciou o canal Gastronomismo no Vimeo, plataforma onde o programa permaneceu durante dois anos. Em parceria com a confeiteira Raiza Costa, que também tem um programa na internet e é apresentadora do canal GNT, migrou para o Youtube. Hoje, conta com mais de 170 mil assinantes.

Atualmente, ela se dedica apenas ao canal. “Demorei um tempo para deixar de trabalhar com eventos, cerca de três anos, porque Youtube não dá resultados imediatos. E aí eu comecei a fazer trabalhos para patrocinadores e hoje ganho bem mais do que quando trabalhava com eventos”, conta.

Nani Rangel, por sua vez, utiliza a plataforma de vídeos como instrumento de marketing pessoal; sua fonte de renda principal são as palestras que oferece baseadas em sua história e experiência. Quando jovem, seu peso estava acima do recomendado em relação à sua altura; sofreu assédio moral, teve anorexia e chegou a ser diagnosticada com um tumor na hipófise.

“Em minha fase mais crítica sofrendo com a pressão de ficar magra, resolvi desconstruir receitas convencionais em receitas fit que tivessem sabor e me desse prazer ao comer. Quando resolvi cozinhar e postar para as pessoas, foi um incentivo maior para não cair em tentações, pois sabia que tinha gente ali me olhando e talvez querendo ter a mesma força de vontade que eu tenho”, lembra. Hoje, a produção dos vídeos do canal é bancada com recursos próprios e o aporte de um patrocinador.

Negócios tradicionais

Apesar de ser um negócio por si, a publicação estratégica de vídeos nas redes sociais pode beneficiar também empresas de segmentos tradicionais, como restaurantes, lanchonetes, bistrôs e serviços de buffett. Empresas podem se posicionar tanto como patrocinadores de canais quanto investir na criação e desenvolvimento do seu próprio conteúdo.

Vivian Donatelli, gerente de marketing da Vivenda do Camarão, explica que a estratégia tem rendido frutos para um dos ramos principais do negócio. A empresa aposta em um modelo de microfranquias chamado Vivenda em Casa, onde oferece ingredientes que podem ser adquiridos pela internet e preparados em qualquer cozinha. “Houve um bom aumento significativo no engajamento e, consequentemente, nas vendas na nossa plataforma de e-commerce”, diz.

“Despertar a curiosidade e o apetite são caminhos primorosos”, enfatiza o especialista Celso Fortes, que defende o uso das plataformas como ferramentas de marketing. “É preciso manter uma marca viva e buscar consumidores novos, fazendo os antigos lembrarem da sua existência e também do seu potencial”, conclui.

Fonte: Administradores