A notícia chegou na última semana e ocupou lugar de destaque na imprensa internacional: aos 44 anos, o chef franco-suíço Benoit Violier foi encontrado morto em sua casa, avançando-se como causa provável o suicídio. Violier não era apenas um cozinheiro, era o responsável doRestaurant de l’Hotel de Ville com três estrelas Michelin, eleito o melhor do mundo pela francesa La Liste em dezembro de 2015 (criada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros francês para fazer frente à britânica 50 Best). Já antes o muito influente guia Gualt et Millau o tinha nomeado “chef do ano”, enquanto o francês Le Figaro lhe dera o título de “melhor chef do mundo”.

O sucesso aparente de Benoit Violier não fazia prever semelhante desfecho, com a sua morte a ser um choque para a comunidade mundial da alta gastronomia. Exemplo disso são as declarações que o também chef de três estrelas Michelin Marc Veyrat fez ao jornal suíço Le Matin: “Encontrei-me com ele diversas vezes e ele parecia feliz, forte. Ele tinha tudo a seu favor.” Veyrat foi mais longe e comentou que “ser cozinheiro é uma profissão de alta pressão. As pessoas não percebem o quanto. É um dos poucos trabalhos onde uma pessoa é julgada o tempo todo. Que outra profissão aceitaria uma avaliação constante?”.

O caso de Benoit Violier traz de novo à ribalta o tema da pressão que os cozinheiros de topo sentem no exercício das suas funções e faz também lembrar outras histórias de contornos igualmente trágicos: estávamos em 2003 quando o francês Bernard Loiseau, à frente do restaurante Cote d’Or, se suicidou, aos 52 anos. Os motivos permanecem desconhecidos, mas há uma teoria que, tanto tempo depois, ainda paira no ar: à data circulavam rumores de que o guia Michelin estava prestes a retirar-lhe a terceira estrela, o que pode ter tido a sua quota-parte na decisão do chef de pôr termo à vida.

Em Portugal as regras e o rigor nos bastidores da alta gastronomia também são uma constante, bem como a pressão. Às jornadas de longas horas soma-se a tensão entre pares e a que é imposta por fatores internos e externos. E sim, o peso da estrela Michelin também entra — e bem — na equação. “A pressão em torno de ganhar ou perder estrelas Michelin é enorme. Há chefs que não lidam bem com isso e há outros mais descontraídos”, começa por dizer ao Observador o jornalista gastrónomo Duarte Calvão, que segue de perto o brilho Michelin há cerca de 20 anos. “Há chefs que mal saem das escolas de hotelaria já estão obcecados com isso e outros que procuram mais o prazer simples da comida.”

Duarte Calvão recorda que o guia Michelin não só é bastante credível — com um modus operandi até hoje inquestionável –, como é uma referência mundial e secular. E em causa não está apenas uma questão de estatuto, tanto para o chef como para o restaurante, mas uma vantagem comercial em si: “Há quem diga que cada estrela equivale a um aumento de faturação na ordem dos 30, 40 por cento.”.

Além disso, um chef que entre nesta elite mundial é convidado para diversos projetos e, muitas vezes, vive na primeira pessoa a ascensão mediática da sua carreira. Talvez seja por isso que mesmo os cozinheiros mais consagrados olham para a estrela Michelin como um reconhecimento quase absoluto do seu trabalho. A título de exemplo, Calvão recorda o momento em que os irmãos Josep e Joan Roca, do espanhol El Celler de Can Roca, receberam a terceira estrela, em 2009: “Deram pulos, abraçaram-se e ficaram emocionados. Até chefs desse nível… E tenho visto cozinheiros que, quando ganham a estrela, mais parecem um jogador de futebol a marcar um golo numa grande final. “O problema é quando se perde a estrela”, atira Duarte Calvão. “É muito pior do que não ganhá-la.”

Fonte: Observador.Pt