Frederico Caffarena, 25, viajou “metade do mundo”, chegou à Turquia, foi trabalhar num dos principais restaurantes de Istambul e sua primeira missão, ó, céus, foi fazer uma sopa com extrato de tomate. “E eu pensei: ‘Sério que estão me ensinando a fazer uma sopa com extrato? Que frustração’.”

Mas ele juntou o tal do extrato, manteiga, sal e água e só. Provou e ficou “sensacional”. Oi? “O chef me ensinou, depois, que lá isso é um ingrediente nacional, que eles têm terroir de extrato de tomate, que são secos ao sol, têm denominação de origem e complexidade de sabor.”

Bem, a essa altura, ele já era um cozinheiro profissional. Rebobine, por favor.

Caffarena poderia usar muito de sua infância para descrever seu antigo fraco pela cozinha. As fazendas de gado da família, sua criação em Campo Grande, na qual observou as influências de japoneses e árabes, o restaurante dos avós, a habilidade da mãe na cozinha. Mas é direto (“me interessei por cozinha porque gosto de comer”) e reto (“e hoje não tem um dia que eu queira mudar de profissão, por mais ingrata que seja”).

Antes, ainda, queria ser historiador. Fred é capaz de passar horas a falar das culturas do Oriente Médio e fazer mil conexões com as cozinhas que dali se espalharam —virou, também, professor de cozinha mediterrânea, aliás.

“É importante ter informação e cultura para fazer cozinha étnica. Sem isso, você não cria nada e fica restrito a reproduzir as coisas dos outros. Isso acontece muito em São Paulo. A gente vê gente fechada em uma visão única de cozinha e acabamos não tendo inovações.”

Ainda que ele carregasse conhecimento e um diploma de gastronomia, os restaurantes árabes não abriam suas portas para recebê-lo.

Eis que, fazendo paradas em uma cozinha aqui (o Salonu da rua Augusta) e outra acolá (o grego Tassus, em Alphaville, ambos extintos), Caffarena, que se convertou muçulmano e não come carne de porco, iniciou uma pós-graduação por Skype, em um instituto em Istambul.

Foi para lá que viajou para tomar as aulas práticas e trabalhar em um restaurante de cozinha palacial otomana. “Imagina um império que está em três continentes onde técnicas, influências e ingredientes se convertem num lugar único [Istambul]. É uma cozinha muito rica.”

No restaurante em que trabalhou observou uma cozinha “extremamente limpa e equilibrada, com refinamento, delicadeza de sabor e textura, ao contrário da turca, que tem muita especiaria doce”. E lá fez receitas aqui inimagináveis, como musseline de cérebro de cordeiro, com pera, cardamomo e cravo.

Caffarena trouxe de sua experiência a coluna vertebral de seu novo Firin Salonu, de alma simples e preços amigáveis. Suas receitas mostram ousadia, potência e costumam repetir três elementos básicos: picância, acidez e doçura. “É uma cozinha diferente mas ao mesmo tempo nostálgica porque a gente tem muita influência da cozinha árabe no Brasil.”

E aqui tenta reproduzir uma cozinha mais livre, que exiba, sem amarras, as muitas influências da cozinha árabe. “Lá, eles enxergam os ingredientes com uma pureza, eles potencializam os sabores, fazem ativações de sabores que não conhecemos aqui.” Para fazer uma salada de cebola na Turquia, conta o chef, é preciso massagear a cebola. “E ela solta um sabor sensacional. Sensacional.”

Fonte: Folha de S. Paulo